
Depois de ser notícia em alguns dos maiores veículos de comunicação do país, nós fizemos uma entrevista com o Dr. Eduardo Hochuli, cirurgião bucomaxilofacial, sobre todo o caso cirúrgico referente à reconstrução de órbita ocular sob medida, realizado no começo deste mês (set).
Satisfeitos com o resultado, o Dr. Hochuli ofereceu detalhes sobre o diagnóstico da paciente, explicou detalhes do planejamento cirúrgico e também falou acerca das novas tecnologias utilizadas neste caso inédito.
Confiram abaixo a entrevista:
1. Conte como a paciente chegou ao senhor e um pouco sobre o diagnóstico (causas, efeitos, solução encontrada)?
A paciente chegou para mim indicada por outro profissional, minha ex-aluna de mestrado. A paciente procurou esta profissional porque seu olho estava afundado, para dentro da cavidade orbital, caso de enoftalmia. Então, minha ex-aluna informou que ela precisaria de atendimento de um cirurgião para harmonização orofacial, me indicando.
Ela estava há 6 anos convivendo com este problema, devido à perda de gordura na região ocular, causando vários transtornos no seu dia-a-dia, como: diplopia (visão dupla), fortes dores de cabeça e baixa auto estima devido ao aspecto estético.
No primeiro momento a paciente ficou preocupada, receosa, pois não se tratava de uma cirurgia simples. Porém, entusiasmada com o resultado estético e funcional que o procedimento traria e sentindo-se mais confiante com toda a explicação sobre o procedimento, decidiu que sim ao final da consulta por realizar a correção.
2. Como foi a decisão de fazer um implante sob medida; quais fatores foram importantes para essa decisão?
Cirurgias semelhantes com esta, não envolvendo as quatros paredes orbitais, são geralmente feitas com enxerto de gordura ou osso do próprio paciente. O problema é que, com o passar do tempo, esses enxertos são reabsorvidos e parte do que você ganha, você perde, fazendo com que o resultado seja temporário.
Outro quesito do método tradicional acima falado é que ele é feito a base de percepção, sem muito planejamento ou cálculos prévios; na hora da cirurgia é que se define se vai por menos ou mais.
Porém, hoje, com o planejamento por meio de softwares é possível calcular a diferença de uma cavidade orbitária para a outra e produzir próteses que irão compensar esta perda de volume de forma mais certeira e previamente idealizada.
3. Fale um pouco sobre a peça (material utilizado, decisão sobre design, como foi o processo de criação?)
Como a paciente perdeu a gordura dentro da cavidade orbitária, assim como em casos parecidos ocorridos por traumas ou tumores, foi necessário reconstruir essas paredes de órbita perdidas. Você devolve estas paredes para que o globo ocular fique na posição e função adequada.
Neste caso, a paciente não perdeu as paredes, e sim a gordura, tornando o planejamento ainda mais difícil. Entenda-se que a gordura é o que ocupa 40% do espaço da órbita, e com esta perda houve um afundo do globo ocular, causando não só um transtorno estético, mas também funcional, tornando inviável a vida prática no dia-a-dia.
Nós escolhemos o titânio para evitar que houvesse qualquer risco de dano à peça. Como ela precisava ser muito fina na parte anterior (0,3mm) e mais robusta na parte posterior (3,4 mm). A escolha do titânio foi justamente para manter esse aumento de espessura sem o risco de haver trincas ou rachaduras nesta gradação.

4. Como foi a experiência em confeccionar a peça, qual o resultado final e como foi a experiência de trabalhar com a BioArchitects?
O fluxo de trabalho foi excelente. O que emperra o processo geralmente é a burocracia, tanto de convênio ou da Anvisa, especialmente para implantes sob medida, que necessitam de autorização especial por conta de personalização e singularidade.
Outro quesito foi a pandemia, que atrasou um pouco os trâmites, porém sempre estivemos trabalhando incessantemente para realizar este projeto e devolver a qualidade de vida para a paciente o mais rápido possível.
5. Como foi a cirurgia? Tudo funcionou como o esperado? Poderia comentar um pouco sobre os passos realizados para o implante e o uso da realidade virtual durante a cirurgia?
O que manda na cirurgia é o planejamento. Perde-se tempo nesta etapa para que o procedimento em si seja o mais rápido possível, por um simples motivos: o tempo cirúrgico é bom para o hospital, cirurgião e paciente.
A cirurgia foi muito bem planejada. A utilização do software foi necessária para calcular o quanto de avanço os implantes deveriam oferecer para que o globo ocular fosse reposicionado corretamente.
As peças foram confeccionadas de forma a anexar as próteses às quatros paredes. Não seria possível inserir as próteses apenas nas paredes debaixo ou de cima, pois o problema de posicionamento do globo persistiria, sendo necessário a fixação das quatro próteses em cada parede (superior, inferior, medial e lateral).
Além disso, foram feitos guias de perfuração, feitos com impressão 3D de acordo com a anatomia do paciente. Eu posicionei os guias no contorno da órbita da paciente e fi as perfurações e depois só é necessário encaixar os implantes nestas perfurações.
Um grande diferencial foi utilizar a realidade aumentada, com o modelo 3D da cirurgia, também indicando exatamente onde deveriam ser feitas as incisões e posicionar a prótese. Então, a cirurgia em si, apesar de não ser simples, ela consegue ser bem rápida. Isso é fantástico!
O uso de todas estas soluções inovadoras para este tipo de caso, de reconstrução total destas paredes de órbita ocular, é um caso inédito e muito interessante para a comunidade médica. Já pesquisei vários artigos em inglês e não encontrei literatura igual, agora falta pesquisar em alemão (risos).
6. Quais os resultados esperados? Como esse implante irá influenciar no dia a dia da paciente?
Nós temos o resultado clínico imediato, que o mais importante é saber se a paciente estava enxergando. A cirurgia foi realizada das 07h30 às 09h45 da manhã e, já no final da tarde, a paciente foi consultada e estava enxergando normalmente, com os movimentos oculares livres.
A recuperação, apesar dos edemas iniciais, está super positiva. A paciente passa bem e na tomografia tirada após a cirurgia, o reposicionamento do globo já está bem mais alinhado. Temos nos comunicado e ela está cada dia melhor. Os resultados finais só poderão ser analisados realmente após 3 a 4 meses de recuperação, quando os inchaços passarem, daí teremos noção da melhora real.
Quanto aos efeitos específicos para a paciente, a primeira mudança positiva é da parte estética, com os olhos já alinhados. Outro, é que a diplopia que ela tinha não existe mais: ela não está mais com visão duplicada no campo central, que é o que nós mais utilizamos. Este segundo fator é o que mais implica no dia a dia, pois dificultava seu trabalho e tarefas práticas. Estamos todos muito otimistas!
Pergunta extra:
Os implantes sob medida são o futuro? Qual seu panorama?
Sem dúvida alguma! Qualquer material cirúrgico personalizado facilita a cirurgia e diminui o tempo cirúrgico. É certo que o aumento de planejamento cirúrgico é bem maior quando falamos de implantes sob medida, porém, pensando sempre primeiramente no paciente - que sempre deve ser o ator principal da cirurgia -, a customização é uma evolução da cirurgia que não é mais possível trabalhar sem quando se busca os melhores resultados.
Hoje já trabalhamos com guias de corte, posicionamento, referência, guias de enxerto, realidade aumentada, biomodelos e próteses. Isso é fantástico! Mesmo com o tempo gasto no planejamento, o tempo cirúrgico é diminuído.
Além disso, atualmente, há empresas e profissionais prontos para atender estas demandas. Por mais que nós, cirurgiões, sejamos responsáveis por idealizar o implante e criá-lo junto com os designers e engenheiros, é muito bom contar com toda esta rede especializada que irá executar este projeto e oferecer cálculos mais preciso, focando sempre no melhor resultado possível para o paciente, que é a missão principal.